eu sou xilengue

eu sou xilengue! disse a mãe enquanto via um programa que falava das migrações na tv regiões.
mas a mãe disse que era kuanhama.
e sou. o programa continuava e a mãe não desviava os olhos do pequeno ecran.
embora este quadro já não a prenda a tpa ainda lhe aguenta.daí que eu use este instrumento que ainda funciona.
depois falaram dos costumes,falaram do gado, do conservadorismo. a mãe ia acenando com a cabeça como que a validar as verdades.
ela falava de cadeira. as respostas eram o seu caminho.
tenho um calcanhar cravado no peito a que chamo terra
a quem darei em sacrifício os meus filhos
pois a minha alma já a entregaram os meus pais
tenho um calcanhar cravado no peito a que chamo terra
que me alimenta vidas inteiras de sois futuros
empoleiradas em riquezas de amanhãs de passado

A Mulemba Secou

há tempos que o procurava
o meu poema da minha adolescência
um dos tesouros da minha caixa de memórias
encontrei-o agora no "Angola os poetas"
vou deixá-lo aqui mesmo à mão
é do Aires de Almeida Santos


a mulemba secou.

pisadas
por toda a gente,
ficaram as folhas
secas, amareladas

a estalar sob os pés de quem passava.

depois o vento as levou…

como as folhas da mulemba
foram-se os sonhos gaiatos
dos miúdos do meu bairro.

(de dia,
espalhavam visgo nos ramos
e apanhavam catuituis,
viúvas, siripipis
que o chiquito da mulomba
ia vender no palácio
numa gaiola de bimba.

de noite,
faziam roda, sentados,
a ouvir,
de olhos esbugalhados,
a velha jaja a contar
histórias de arrepiar
do feiticeiro catimba).

mas a mulemba secou
e com ela,
secou também a alegria
da miudagem do bairro:

o macuto da ximinha
que cantava todo o dia
já não canta.
o zé camilo , coitado,
passa o dia deitado
a pensar em muitas coisas.
e o velhote camalindo,
quando passa por ali,
já ninguém o arrelia,
já mais ninguém lhe assobia,
já faz a vida em sossego.

como o meu bairro mudou,
como o meu bairro está triste
porque a mulemba secou…

só o velho camalundo
sorri ao passar por lá!...


Aires de Almeida Santos