Urbano de Castro - Na Gajageira

Pedaços de sonhos tecidos
em fileiras de cor pelos balcões
a mãe desenhava aqui as ilusões
de moda nova para fazer banga
eu acompanhava a dança mágica
e sonhava sonhos de princesa
vestidos de chita na gajageira

Pensar e Falar Angola: LENDA TCHOKWÉ - Nordeste de Angola

trouxe-a aconchegada no colo para vocês, daqui do lado onde se fala e pensa angola.
assim se podem completar as memórias.

Pensar e Falar Angola: LENDA TCHOKWÉ - Nordeste de Angola: LENDA TCHOKWÉ - Nordeste de Angola Um dia o Sol foi visitar Deus. Deus ofereceu ao Sol uma galinha e disse-lhe: “Regressa de manhã antes de ...

carroucel da manhã com o titito

Ontem andámos num verdadeiro carrocel logo de manhãzinha.
É.
Não deixámos nada por fazer, mas que foi complicado, foi!
Já foi motivo de muita conversa mas sabes como foi.
Ainda não sei se me desculpas por ter tudo avariado logo de manhã…
Mas eu acredito mesmo do fundo do meu coração e os teus olhos chegam lá
com o brilho com que o iluminas, que na verdade até achas que eu não tive nada a ver com isso.
Sim. Lembras-te bem como foi?
Acho que já estava na casa de banho, sim foi assim.
E como sempre dás-te conta e vais dizer-me bom dia.
Depois como habitual vais para a sala.
E logo ali no teu olá achei estranho o teu olhar de incompreensão para o lusco fusco a que não estavas habituado.
E já na sala não entendeste mesmo nada.
Avó, e os bonecos, apontaste a televisão?
Não dá meu amor…
Avó e a luz?
Também não dá.
Avó, o que é isto? e olhaste estranhando a vela acesa na mesinha de apoio.
Posso soprar vó?
Não, não não faças isso, acerquei-me logo, meia vestida, a tentar explicar a situação.
Ainda mais espantado ficaste. Afinal não era para soprar…
E os bonecos, vó? Retorquíste olhando de novo o pequeno ecran.
Bem, aí foi quando eu comecei a dizer que estava tudo avariado. Assim já me ias entender.
Neto, está estragado…
Avó, quero Nestum lembraste-me tu o teu estômagosinho já a dar horas.
E não havia forma.
Lá vim com leite de pacote que te desagradou profundamente.
A papa é o habitual… Então avó e pãozinho quentinho? Que é a torrada que tanto gostas. Sempre ia remediar…
Até eu vacilei, até perceber que também não era possível… Não pode ser meu neto, também não dá…
Aí foram-se seguindo todas as questões da luz da escada que és tu meu amor que já acendes em bico de pés, colaborante nas pequenas tarefas de rotina matinal, o fecho da porta da rua….
Tudo avariado…
Contrafeito lá me acompanhaste à paragem de autocarro.
Hoje acordámos sem luz e aqui ainda não usamos gerador…

vou sentar-me à tua espera sem esperar

vou sentar-me à tua espera,
enquanto saboreio a madrugada
e caminho docemente embriagada
pelo sossego macio e lento dos sons do meu silêncio.

vou sentar-me à tua espera,
e deixar que os fios de brisa de liras de prata brilhante
deslizem cadentes e ondulantes numa dança inebriante
e penteiem os meus cabelos num sussurro acariciador,
quase em murmúrio, qual Alceu à pura Safo,
de violetas coroada e de suave sorriso, em odes ao amor.

vou sentar-me à tua espera sem esperar

enquanto a noite quente me acaricia o corpo
numa toada de cores e andamentos
num sofrer de gozo dos momentos
mistos de veludos de luar

vou sentar-me à tua espera
por de não ter que te esperar
vou sentar-me à tua espera
certa que não precisas de chegar

Quando eu chegar

Quando eu chegar
Pousarei meus lábios docemente em cada flor
banharei meus olhos em cada luz e acalmarei a dor
Deixar-me-ei levar

Quando eu chegar
Sem pressa de chegar
Vou deixar-me arrebatar

E gingarei em esteiras a doçura do amor
provarei sabores e doces licores
cheiros intensos e mostos de cor
maruvos marimbas rebitas tambores

Quando eu chegar
sem pressa de chegar
deixar-me-ei levar

para vocês

das memórias nos sessenta

a minha escola,a primária nº48
a embala
o hospital
a piscina
a estátua
a igreja
o hotel girão
a sacor

gostava tanto que pudesses ver

gostava que pudesses ver
era assim...
e trazias estórias
e trazias memórias
e guardavas relíquias
que trazias contigo
e nos fazias sonhar
rasgavas as estradas
e trazias o pão
trazias caminhos que percorrias
trazias arte e sabedoria
levava-nos a descobrir a terra
afinal trazias os sonhos
com a tua forma de ser e ver o mundo
com que enchestes as nossas vidas
obrigada pai


O pão do depósito… O depósito de pão

Apeteceu-me saltar o muro cortar mato e ir pela beirinha em cima de poucos palmos de altura com os dedos dos pés preocupados em segurar os chinelos de borracha que agora resolveram dar o nome de havaianas. Naquele tempo eram só os chinelos de dedo que acho que também vinham da Mucambira.
Era só para dizer que era no tempo em que de manhãzinha os braços do sol já nos abraçavam forte e obrigavam a saltar da cama entrar no duche e correr ao depósito com o saco de pano na mão numa mão e moeda na outra que se colava bem apertada e com a magia do ácido e sal desenhava na palma, uma outra.
Ia com as recomendações todas da mãe. Educação, responsabilidade, respeitar a fila, bom dia e tal, obrigada e ver troco certinho, essas coisas. Era assim nesse tempo. Cinco tostões, dava dez pães lá no depósito. Espaço de distribuição das padarias feito em pouco mais ou menos de dois e meio por dois e meio, o pré-fabricado onde só dava para balcão e caixas de madeira onde se aconchegava o pão que passava em correria para as mãos da senhora que ia aviando com habilidade para despachar a miudagem que logo ao raiar começava a acotovelar-se para comprar o pão fresquinho do matabicho.
Era assim lá no bairro filho, respondi, quando hoje de manhã ele me perguntou:
- Então como era antigamente mãe? - Sumo de laranja, frutas, pão fresquinho…
Não filho, era café e pão com… manteiga da Cela, às vezes, outras era margarina mesmo. Ao lanche até gostava mais de fazer um furo no pão, encher de açúcar e café, era uma iguaria que nem tulicreme de hoje.
O pão do depósito… O depósito de pão. Era assim que se chamava na cidade grande

voltar

escrevo com os dedos da memória
embalada pela brisa vermelha e quente
num discurso de cambiantes licorosos
que teimam colar-se à pele e me fazem voltar

calor, luz, fogueira, feitiço
envoltos no balanço da doce carícia
do xuxualhar da folha da palmeira
marimba, quissange, batuque,
repousam na sombra da mulemba
que balança na tipoia do tempo

notas, vibrantes encandeiam a mente
latejam cortantes sonhos distantes de nunca acabar
e o corpo xinguila o compasso marcado
na dança que espia o silêncio da espera
e abafa a voz do grito dor de nunca voltar