Nós,os frutos II - perspectivas

E viste a dos frutos?
A mãe já escreveu? E pôs todos?
humm... e o bebé? e a cata?
não. esses não falámos...
e a laranja, o coco, o maracujá...
maracujá?
sim! o jokas!
é kiwi...
esse era o que a mãe dizia. eu disse maracujá!
mas não é estranho...
para si. claro que é diferente, estranho, as sementes...
diferente...
eu disse mãe,o jokas é maracujá!
sim... visto dessa forma...
está melhor... está melhor... assim gosto mais.
até o odor quente doce tem a ver.
também ácido, doce. estranha-se....(?)gosta-se, ou se detesta(?)aqui não sei bem...
rimos,claro!
e agora, e eu? o que é que me chamou?
tu, tu disseste banana.
foi a mãe... bem... eu disse a brincar... eh! eh! eh!

Nós, os frutos

Tu e a tua perspicácia… És fantástico, filho.
Claro que esta fica para a história. As nossas estórias.
Assim naquelas conversas de fim de dia trouxeste essa nova.
Foi bonito… e bemdisposteou o serão que se esticou. Então dizias tu que eras mesmo…
Banana. Bem essa foi uma metida de brincadeira, claro. Mas foi o que te disseste. Pensando bem, fora os atributos de lugares comuns é fruto de excelência…
Kiwi. E aí a descrição: - Diferente. A marca da diferença. Claro que primeiro se estranha… a pele, o gosto ácido doce, as sementinhas… gosta-se ou aprende-se a gostar… depois, adora-se ou detesta-se. Era assim que vias o mano caçula. Estava dentro do perfil, concordamos depois, entre o gargalhar de comentários.
Laranja. Seguia-se a filhota. Às vezes ácida. Às vezes doce. Gosta-se assim mesmo. De uma, ou de outra forma. É preciso saber apreciar. Come-se, gomo… a gomo. É mesmo preciso saber… apreciar.
Coco. A mãe. Eu, mesma.E vinha a explicação que desfazia o sobrolho franzido da minha interrogação para rasgar o sorriso da minha concordância. Assim nos me viam. Era dura, aparência áspera, mas ao toque macia. Misteriosa, não deixando antever o interior, que se acharia finalmente macio, tenro, saboroso e doce. Alimento reconfortante.
Éramos assim. Nós, os frutos.

o meu império

Esta tinha que estar nas memórias frescas.

A filha juntou os anos feitos no início da semana
com os do meu mais novo rebento
o meu neto que casou os anos no dois deste quente Julho.
Assim combinou recados,sabores, e festa rija
com o doce salgado do licor amarelinho da palma
que cobria as pepitas atrevidas do feijão manteiga
a envolver a bola branca e macia da mandioca.
Assim se fez casar o almoço com a ceia neste dia.
Acolhemos a família.
A vó a marcar a presença forte de chefe de tribo
ainda a dar continuidade ao seu trabalho de muitas e boas colheitas.
O meu neto era o seu último,
meu primeiro.
Estávamos todos.
O mano mais velho encerrou o discurso feliz
especialmente por podermos ter conseguido juntar todos os presentes.
Primos e sobrinhos marcaram presença e honraram a continuidade.
Assim a filha aproveitou para anunciar nova vida rumo ao sul
feliz por poder dar melhor vida ao seu primeiro com este novo desafio.
O novo membro que se apresentou à mãe assumia compromisso
perante as reticências dos costumes,
mas com o abraço caloroso de boas vindas.
Ia mesmo ter que se aguentar.
Esta é a família que me vai continuar.
Nos novos tempos a apagar os amargos de um (pouco) tempo atrás.


Novas memórias.
De vida, de uma nova vida prenhe de doces recados
de cheiros e calores de encontros
de futuros de passado vividos neste presente
embrulhadinho em papel de ceda
que trago e cuido com desvelo
numa vigília constante como se pudesse
como se quisesse como se devesse e me atrevesse
ou pudesse evitar as sombras.

Este futuro que traz consigo o império
de pilares feitos gente que me ergueu
a família feita de novos a aprender caminho
de mais velhos a deixar testemunho
de minúsculos polegarzinhos a testemunhar herança feita festa,
entre parentes que se pode juntar
no momento que se faz sempre do hoje,
em paredes que alargaram, na sala que invadiu a varanda onde móveis que se comprimiram, em jeitos de força, vindos da força de laços,
num milagre para transformar o andar no quintal
deste futuro feito o meu império.

não quero vestir o teu fado

e o orgulho fez-se fado
e a força insana tomou-te de novo
e na reinvenção da vida desfeita
mesmo quando a luz te apontava o quente sul
vestiste de novo os fiapos da derrota
e abraçaste o branco do limbo que te tolhe
te rouba o odor a cor a força a pele e o sonho
e te distancia do caminho prometido
agora vou atravessar sozinha
porque não vou, não quero vestir o teu fado

nos intervalos

Nos intervalos demorados que faço espaços só meus e teus, tivemos tempo para me aventurares nos novos paladares.
Tinhas dito que era muito bom. Ias-me fazer experimentar, e assim foi.
Depois de um fim-de-semana pesado, anunciei:
Vou sair.Quando me olharam nos olhos vesti-os de determinação, e vocês nem recuaram.
Sim mãe, responderam os dois.
Acho que apesar de ter deixado jantar feito,se amanharam com um Mac.
Eu segui. Aí inventaste o novo caminho quando fizeste o desvio sem avisar. Presenteaste-me com aquele espaço mágico. O dos novos paladares feitos de arroz avinagrado e peixe fresco cru temperados de molhos onde se banhavam ou de pasta verde parecendo mentolada que se transformava num gindungo que penetrava as narinas e me encharcavam os olhos de odor(calor). Tu reforçavas que era mais aproximado ao picante de mostarda inglesa. Foi bonito,sim senhor.
Contei aos filhos,quando me mostraste o reservado, e fizeste desfilar toda a panóplia de sabores para que eu ficasse por dentro de todos. Mesmo aquele panado que parece que foi inventado nos Estados Unidos. Que manuseei sem dificuldade os "instrumentos de navegação" e tudo. Foi bonito sim senhor.
O filho então perguntou: e que é que bebeu? eu respondi.
E quente ou frio? e eu aí disse, quente. Ele em cima da sabedoria das suas novas aventuras, confidenciou-me que era uma prova de amor. Só para ocasiões especiais, etc. etc. Foi bonito sim senhor.
Eu tinha dito que ia aprender, e naquele ambiente mágico aprendi e gostei.
Dos novos sabores, da música, da bebida. enfim, foi bonito. fiquei bem e conheci contigo o sabor tradicional servido no estilo minimalista e geométrico japonês. Assim provei o sushi e saqué.
Quando descemos visitamos a exposição e quando pousaste os olhos no ábaco decidi que era teu embora tivesse que te convencer.
A escolha recaiu sobre o que tinha a imagem da fénix e do dragão gravada.
A simbologia soube-a depois, e contei-te, lembras-te? estava-nos destinado.

a um novo ritmo

Hoje a manhã esticou-se como se fosse metade do dia.
Acordei com movimento até parecia que era sábado.
A voz do meu neto já enchia a casa e o meu mais novo diligente atendia e acorria aos pedido do miúdo. A filhota acompanhava o ritmo e acompanhava e controlava a situação, a vestir calçar e dar a medicação, feita mãe de mão cheia.
Acordei já com o filhote mais novo a desconseguir dar o biberon ao candengue. Adivinhamos que estava a ser dos últimos, a avaliar pela resistência,ele que é um miúdo de boa boca.
Assim como assim, fui fazer uma papa a aproveitar o leite e ainda consegui que ele comesse alguma coisa.
O mano mais velho marcava a presença e dava os retoques da ajuda no controle da situação. A mana meteu-se com ele porque ontem à noite passaram a ferro enquanto ele nas calmas punha umas kizombas para todos, enquanto ensaiava umas passadas.
Então estás a passar agora de manhã a camisa? Então porque é que não o fizeste ontem?
Fazer até fazia,mas não era a mesma coisa...
parafraseando o anúncio que passa agora na tv com sucesso.
Rimos todos claro!
O filhote foi o primeiro a sair e ainda lhe revistei o cabelo onde estava a faltar o gel. Voltou atrás e foi compor o ramalhete.
Depois de todos prontos fui à porta despedir-me de todos um a um.
Fiquei comigo mesma prenha de paz.
Depois de roupa estendida a aproveitar o Verão antecipado, máquina da louça a bombar, e nova empreitada de roupa já pronta à espera na máquina para no fim do dia avançar, fui-me arranjar.
Um bom início de semana,de vida nova, a um novo ritmo.
Agora lembrei-me...não deixei nada a descongelar para o jantar... logo se vê.
Ontem desceram umas cassetes.
O som entrou na cozinha e dei por mim de lagrimita teimosa a tremelicar.
Desfilaram os kiezos, teta, bonga, kassafo, a acompanhar o brilho a dançar nos olhos do meu mais velho. Tinha-lhes sacudido o pó da arrecadação e lhes deu a ordem de soltura para começarem a ombrear agora os pequenos redondos prateados. Tinham-se calado uns bons tempos a acompanhar umas amarguras de sonhos desfeitos em que elas tinham brilhado. Assim, nos últimos anos as cassetes ajudavam a arrancar crostas das feridas que estavam mal saradas e então era melhor ficarem no escuro quietinhas e meio adormecidas. Mas ontem o filho quis fazer surpresa. Trazer-nos a reviver os oitenta, momentos felizes em que eles ainda davam pouco mais que acima do joelho que é pertença da minha pessoa que não tem mais que metro e meio. Disfarcei a nostalgia com uns toques de passadas de antigamente para arrancar o esboço de sorriso da minha miúda que calava um quase soluço a lhe chegar na onda da emoção. Demos por nós a repetir agora já a saborear o som com o cheiro de antigamente mas com o coração já bem reforçado de novas memórias. Afinal retemperamos de novo o cheiro da casa, agora até já com o meu neto a participar. Às tantas a filha chamou-me para ver a avó que estava a cantar enquanto gingava só com a cabeça.
Agora não se vão calar mais durante os próximos tempos.
E o símbolo do poder estava no cajado
mas não percebeste.
E este era mesmo prolongamento do seu braço
e mesmo assim não percebeste.
Que com ele morreriam, tomaria vidas
de gerações feitas de feitos
e cousas menores sentidas maiores.
Viste então defender o castelo,
percorrerem montes e vales
devastar e arrasar quem se atravessou no caminho
em nome de um Deus desconhecido
que desflorou donzelas
reprimiu irmãos,fez escravos, conduziu soldados
dizimou nações
e não protegeu os seus filhos
sobretudo os que defenderam a causa maior
a do cheiro de uma terra que sentiste tua
e acreditaste pertença de filhos e filhas (des)iguais.
Mas que em nome de causa maior
arrancaste de ti a coisa tua junto com a pele
para viver a dor da carne viva em cada dia
em terras de ninguém que diziam tuas.
Então ergueste o muro de cor insano
inventaste silêncios de grito por causas insentidas
com nomes de dignidade e de direito de uso e de zelo
exigiste razões e desconcertos
até esbarrares na fronteira.
aqui te quedas agora a reinventar o certo
balanças no limbo de penas e jugos
e descobres que nem três gerações conseguem
transpor a diferença que sentes igual
percebes então agora
somados valores,apelos, e amores
quando chegada a hora da esperança acerto e luz
novos cheiros a caju em vida renovada,
ergue-se apenas a taça de sangue de cor
agora meu irmão, não tens escolha...
O gelo é mágico.
Olhamos o fundo dos copos com design masculino, dizias tu.
Interroguei-te com o olhar e prontamente justificaste com a forma geométrica
Sabes querida, continuo a pensar como foi possível ter sido tudo apagado dos registos e rodavas os cubos a ler a história que atravessava o cristal gelado das formas do interior curvo que seguravas nas mãos.
Fiquei a adivinhar-te o silêncio e resolveste então recriar o episódio do gelo com os sul africanos.
O daquela época em que eles faziam às vezes uma visita ao vosso ermo esquecido do mundo, e num descanso entre jogos de poder tinham-se-vos juntado para saber umas coisas, contaste-me tu. Se sobre o fogo quente da morte, se sobre o poder da chama da vida não disseste. Apenas isto.
Assim no final de tudo perguntaram-me. Ali onde faltava tudo.
Se tivesse que pedir neste momento…alguma coisa, perguntaram-me eles do alto da força do seu poder, o que é que quereria, assim de repente, neste momento.
Olhei-os com a calma dos espaços sem tempo em que habitava e rodei o copo que tinha entre as mãos e desejei o impossível. Ali mesmo o que me faltava, e aí o desejo saiu-me na voz a esquecer de acompanhar o raciocínio da exequibilidade.
Aqui só me falta mesmo uns cubos de gelo.
O sul africano chamou o subalterno a transmitiu em voz de comando a ordem.
Teriam de voar para os ir buscar ao outro lado.
Muitas horas depois fui brindado com a carga de um voo especial.
O meu desejo tinha sido uma ordem.
Assim falamos nas nossas conversas de gelos mágicos de cadernos de fogo ditos em tempos de paz.
Outro dia voltamos ao gelo mas o de uma máquina gigante que chegou de avião também por um desejo e que fazia… uma tonelada de cada vez… que desperdício.

o respeito dos homens

Foi mero acaso,acredita.
Mesmo uma questão de sorte.
Quando me predispus, contaram-me a história dos meus antecessores
e a sorte não lhes tinha sido o que se pudesse chamar de aliada, desde o alferes leão ao churrasco, não mudava muito a sebenta de escrita da história que lhes deu nome. O cheiro da loucura da guerra estava-lhes impregnada.
Os homens estavam num estado lastimável a ponto de aparecerem de chinelos calções e tronco nú á formatura. Olhavam-me de lado e com um sorriso mordaz como que a anunciarem ou a emitirem um cumprimento a uma curta estadia.
Assim o respeito dos homens impunha-se e tornava-se agora a minha primeira missão.
Tinha que os agarrar caso contrário seria o meu suicídio, e o deles...
Assim para uma primeira nota dava para catalogar mesmo assim, com título e tudo, é bonito...O respeito dos homens
Tinha sido ali que tinha aprendido que podia sobreviver, e fora o guião de Sun Tsu, era seguro que se seguisse a pista de qualquer símio ele o levaria à água às folhas e aos frutos comestíveis. E assim fora.
Fazia naquela época parte dos irregulares. Com cento e quarenta entregues a si. E ele a si próprio. Se se perdessem não constariam de estatística. Códigos e estratégias que podem agora viajar no diário de bordo dos cadernos de guerra.
Vou-te seguir deambulando pelos teus trilhos a que vais tirando as teias abrindo-os um a um com o cuidado de não os desintegrar, de tão frágeis de anos de cárcere no silencio da memória.
Estou a aprender o respeito pela grandeza dos lados opostos quando viajam em pé de igualdade.
Assim se fundirão as nossas páginas de passado num corpo de futuro.
Querida,
Hoje vou contar-te uma história.
Queres ouvir?
A da bosquímane. Que não te pareça mal…
Não, não, insisti…
Colei-me ao chão dos teus olhos, mergulhei no fundo na tua alma e deixei que ao meu ouvido chegassem as palavras.
As que vinham lá de muito longe onde povoavam espécies que se abraçavam entre anharas savanas e desertos.
Onde se tinha que se enfrentar no mesmo dia a febre alta de rebentar as têmporas e o frio cortante de tolher dos corpos.
Tinha sido ali que tinhas aprendido o amor que contaste com ternura naquela noite que me transportou para o espaço mágico de Luiana…
Foi tudo decidido desde o concílio
quando escutadas todas as vozes
mesmo dos que se diziam de sete céus
e considerados de cousas menores.
Assim se afirmaram vontades
o pai Júpiter assim decidiu,
no Olimpo se decidia “sobre as cousas futuras”
com Vénus e Marte a apelar pela bênção,
contando com a ajuda de Mercúrio para desviar Baco de outras intenções.
E desta feita levaste a diante a empresa ao encontro de Féti, o primeiro de Suku.
o que caiu do céu que seguiu para o Cunene para caçar
onde emergiu das águas a perfeita Tchoya para o completar.
O Princípio que da Perfeição se enamorou
e com ela fundou a primeira família que pela luz do sol foi alumiada.
Que trouxeram ao mundo Ngalangui e Viyé os pais dos povos,
os que unem o norte ao sul e haviam de chamar a si as populações
e viriam a ser o tronco de uma grande família.

Depois, depois vieram os mandos e desmandos,
subtraídas vitórias em somas de derrotas
os sonhos...
lembranças de(os) feitos e desfeitos
dos abraços fraternos de guerra
os choros da terra clamando sossego.
Assim chegaste no meu amargo de espera
tardando vinhas com os despojos, vestes em fiapos
Assim te descobri de alma lavada
com olhos de luz cravados com gosto no teu espelho de todos os dias
carregado de cheiros e novos retábulos de sábio alquimista
quimbanda, soba, guerreiro, amante
à espera de um novo amanhã com cheiro quente do sul

pedaços de novas memórias com cheiro quente do sul

pedaço de tempo feito uma vida
com cheiro quente do sul
encontro nunca marcado
apenas destinado pelo feitiço da terra
provados sabores, inalados odores
encarnamos as feras e os elementos
e ardemos em infernos de gozo e prazer
fundidos no doce quente com cheiro do sul

estamos juntos

no último almoço o mano mais velho já com estatuto
de quem marca silêncio com palavras sérias de saber
lembrou que o mais importante era o pretexto de estarmos juntos
sobretudo para não deixar dispersar a família
a mãe estava lá a lembrar o esforço
a mãe estava lá para dizer que não podemos desperdiçar
o trabalho de sapador que tanto lhe custou travar
quando galgou mesmo o oceano encurtando a distância
para nos deixar como deve ser o caminho para sul

é verdade, esta fez sucesso... ouçam lá

A final e memórias

Enquanto iam desfilando as fitas cor de festa que riscavam o ar do ecran num cair de tarde já feito noite nos trópicos e gentes de todas as partes extasiavam ante um encerramento digno de grandes, eu pensava numa antevisão deste quadro.
foi aqui que este can coube nos pedaços de memória.
Nos verdes anos, mesmo quando muitos dos que agora se ajeitam no conforto do banco centro direita, rasgavam ainda os caminhos da jovem e contestatária esquerda que na altura só encontrava porto seguro lá para os lados duma revolução que tinha acontecido em outubro, devorávamos escritas diferentes e aprendiamos o futuro numa quase bulimia vinda de anos de fome de liberdade.
Era na altura que aprendiamos vidas diferentes de lugares que eram os icones ventos de mudança e que coloriam os mais valiosos dos nossos ideais dum futuro desdesigual. foi aqui que vi esta antevisão.
Um pequeno artigo ganhava um concurso que promovia a inovação, originalidade e outros muitos eteceteras de um jovem português que ganhou merecidamente.
Sim, sonhou grande, na medida em que desejou e visionou para a jovem nação um estádio olímpico.
Era no estádio Agostinho Neto, disto lembro-me perfeitamente, que se iriam disputar os jogos olímpicos de... acho que 2000. Era o que ele perspectivava para a viragem do século ainda lá muito longe. E pintava o cenário do estádio olímpico que baptizou com o nome do líder histórico, com tons de esperança, batuques de festa e sentidos de vitórias e emoções.
Numa altura de mais de meio de setenta e em que por aqui ainda se saboreava a festa com cheiros de cravos rubros que Chico Buarque cantava do outro lado do mar, lá no espaço de sonho deste jovem vivia-se de novo um espaço vestido de escuro e triste que não deixava sequer vislumbrar uma luz, por mais ténue que fosse, ao fundo dos corredores de dor.
Mas foi aqui que ele pintou a sua utopia que me fez guardar o artigo da revista religiosamente durante um bom par de anos e lhe valeu um primeiro lugar no concurso.
O prémio era uma viagem dizia o concurso então promovido pela revista e que o levaria até ao coração das estepes. O meu foi a forte esperança de acreditar.

eu sou xilengue

eu sou xilengue! disse a mãe enquanto via um programa que falava das migrações na tv regiões.
mas a mãe disse que era kuanhama.
e sou. o programa continuava e a mãe não desviava os olhos do pequeno ecran.
embora este quadro já não a prenda a tpa ainda lhe aguenta.daí que eu use este instrumento que ainda funciona.
depois falaram dos costumes,falaram do gado, do conservadorismo. a mãe ia acenando com a cabeça como que a validar as verdades.
ela falava de cadeira. as respostas eram o seu caminho.
tenho um calcanhar cravado no peito a que chamo terra
a quem darei em sacrifício os meus filhos
pois a minha alma já a entregaram os meus pais
tenho um calcanhar cravado no peito a que chamo terra
que me alimenta vidas inteiras de sois futuros
empoleiradas em riquezas de amanhãs de passado

A Mulemba Secou

há tempos que o procurava
o meu poema da minha adolescência
um dos tesouros da minha caixa de memórias
encontrei-o agora no "Angola os poetas"
vou deixá-lo aqui mesmo à mão
é do Aires de Almeida Santos


a mulemba secou.

pisadas
por toda a gente,
ficaram as folhas
secas, amareladas

a estalar sob os pés de quem passava.

depois o vento as levou…

como as folhas da mulemba
foram-se os sonhos gaiatos
dos miúdos do meu bairro.

(de dia,
espalhavam visgo nos ramos
e apanhavam catuituis,
viúvas, siripipis
que o chiquito da mulomba
ia vender no palácio
numa gaiola de bimba.

de noite,
faziam roda, sentados,
a ouvir,
de olhos esbugalhados,
a velha jaja a contar
histórias de arrepiar
do feiticeiro catimba).

mas a mulemba secou
e com ela,
secou também a alegria
da miudagem do bairro:

o macuto da ximinha
que cantava todo o dia
já não canta.
o zé camilo , coitado,
passa o dia deitado
a pensar em muitas coisas.
e o velhote camalindo,
quando passa por ali,
já ninguém o arrelia,
já mais ninguém lhe assobia,
já faz a vida em sossego.

como o meu bairro mudou,
como o meu bairro está triste
porque a mulemba secou…

só o velho camalundo
sorri ao passar por lá!...


Aires de Almeida Santos