as cores dos sonhos - III

entrava agora em cena, com a arte e grande sabedoria de um grande vendedor. retirava os cortes coloridos que lhe deslizavam pelo braço, repousavam no seu ombro com a luz do sol a trespassar provocando reflexos de arco-íris, ou caíam levemente com a sensualidade do escorregar num corpo nu, na mala escancarada depois de saciarem os olhares dos presentes.
passavam as sedas, os gorgorões, os tafetás, as caxamiras e os cetins. os algodões, os veludos, os terilenes, casquinha-de-ovo, ou tevês.
a mãe pegava-os e de forma cuidada fazia a sua selecção, imaginando as formas e os fins, e matematicamente os recursos.
os terilenes para as calças, os mais finos para os nossos vestidos e blusas.
o pagamento, embora fosse em pequenas e suaves prestações, aos bochechos, como dizia a mãe, tinha que ser bem pensado, estávamos todos a estudar e os mais velhos estavam na escola técnica.
e daquela mala saíram as roupas para estrear no natal, na passagem de ano, na páscoa, que sempre davam depois durante todo o ano, para fazer boa figura nas ocasiões mais especiais, ou simplesmente na missa de domingo.
era também no natal que comprávamos os sapatos paara estrear com a roupa nova e que davam na maior parte das vezes para todo o ano, porque era sempre possível dar à volta à teimosia do nosso corpo em não respeitar os bolsos, e crescer demais. E aí, era fácil, o pai ou a mãe cortavam os bicos para os dedos não ficarem apertados e até dava um novo feitio.

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